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Dados mostram que honestidade ainda está em alta entre os cariocas

Uma prova disso é a baixa taxa de calote no VLT, que não chega a 10%

Em tempos sombrios, tomados por corrupção e escândalos políticos em série, a honestidade, tão desacreditada, resiste no dia a dia da cidade. Contrariando mesmo os mais incrédulos, em toda a parte é possível listar evidências de que o bom-mocismo dá sinais de vida. De serviços como o VLT, que aboliu o cobrador e depende da consciência dos usuários, a caixas de autoatendimento recém-implantadas em lojas de departamentos, sempre com fregueses diletantes fazendo o pagamento, o carioca ainda é capaz de dar lições de cidadania.

No bonde moderno, a taxa de evasão — ou seja, de passageiros que entram e saem sem pagar, ignorando as regras de civilidade — não chega a 10%, de acordo com a concessionária responsável pelo transporte, indo na contramão de todas as expectativas de que o vandalismo e a esperteza prevaleceriam. Nos estabelecimentos com caixas operadas pelos próprios clientes, quase ninguém sai de fininho sem pagar, para a surpresa de quem não acreditava ser possível adotar por aqui sistema comum em grandes metrópoles do mundo inteiro.

Em 2015, quando foi anunciado que o próprio passageiro do VLT teria a responsabilidade de fazer o pagamento ao entrar no veículo, a notícia foi tratada, praticamente, como piada. Mas, passados dois anos, o fato é que 90% dos passageiros se comportam como manda o figurino, pagando religiosamente a tarifa de R$ 3,80. O percentual está, inclusive, acima do registrado em cidades europeias, de acordo com o consórcio que opera o bonde que já corta todo o Centro do Rio. Os “fiscais” da honestidade do VLT, que fazem vistorias aleatórias, atestam que é raro pegar um mau pagador em flagrante.

O mais comum, sustentam, é assistir aos passageiros, assim que embarcam, irem direto com seus cartões do RioCard em direção aos validadores de tarifa. O fiscal Bruno Teixeira Campo conta que, por dia, encaminha, no máximo, um passageiro até a Guarda Municipal para ser multado por evasão. Ele assegura ainda ser comum os usuários mais experientes alertarem outros que usam o VLT esporadicamente sobre como validar os bilhetes na maquininha. E quem cai na malha fina da fiscalização costuma ficar sem graça e dar desculpas esfarrapadas.

— As mais corriqueiras são alegar que esqueceram de validar o cartão, que não sabiam que precisavam ter um bilhete ao embarcar ou que viram o VLT na parada e, com pressa, entraram sem recarregar o RioCard. Tem também os que ficam falando no celular e se dizem distraídos. Mas, no geral, como carioca, dá orgulho de ver que quase todo mundo faz o correto — observa Bruno.

Diretor de operações do VLT, Paulo Ferreira lembra que, mesmo em sistemas europeus, a taxa de evasão pode ultrapassar 40%. No contrato do VLT carioca, era prevista uma taxa de 30%. Mas o índice nunca chegou a tanto. No início da operação, era de cerca de 15%. E, desde então, só faz cair. O que se pode ser constatado no cruzamento de dados dos validadores com a contagem de passageiros feita por câmeras instaladas nas portas dos bondes.

— Mas ainda não dá para tirar os fiscais das viagens — diz Ferreira, sem descartar a possibilidade de um futuro ainda mais civilizado, com total confiança mútua entre operador e passageiros.

A antropóloga Alba Zaluar diz que o fenômeno não a surpreende, apesar de toda a realidade de corrupção que assombra o Brasil. Ela chama atenção, inclusive, para o que ela considera uma discriminação sofrida pelos cariocas, tachados como malandros. Ela afirma que, a despeito desse juízo de valor coletivo, são muito poucos os que tentam levar vantagem em tudo.

— A população está muito indignada. Vejo orgulho das pessoas de se diferenciarem daqueles que estão roubando o país, de falarem que trabalham e vivem honestamente, sem enganar ninguém. Até porque a confiança é a base de todos os movimentos da sociedade — analisa a estudiosa.

De 5 de setembro de 2016 ao último dia 30 de setembro, a Guarda Municipal contabilizou 8.970 multas aplicadas a passageiros por não pagamento da tarifa do VLT. Fevereiro teve o maior número de infrações: 950 pessoas. Em setembro passado, já havia uma queda brusca: 521 multas.

NOVAS RELAÇÕES NO COMÉRCIO

Um outro serviço que depende da boa vontade do cliente é o Bike Rio, que, desde 2011, deposita confiança que as magrelas alugadas, depois das pedaladas, serão devolvidas pelos ciclistas. E tem sido assim, quase sempre. No Aeroporto do Galeão, os administradores do estacionamento do terminal afirmam que 90% dos motoristas respeitam as vagas exclusivas para idosos, portadores de necessidades especiais e gestantes.

Além disso, em todo o Brasil, bibliotecas públicas e privadas já vêm implantando sistemas de auto-empréstimo de livros, em que os interessados informam a saída e o retorno das publicações em máquinas com leitores de códigos de barras. Já no comércio, estabelecimentos passaram a disponibilizar caixas de autoatendimento, em que os próprios clientes registram suas mercadorias e fazem o pagamento, sem qualquer fiscalização, como acontece há algum tempo em lojas da Europa. O sistema foi adotado em alguns supermercados da Zona Sul e, desde o início do ano, em cinco Lojas Americanas do Rio e de São Paulo. “A solução é prática e permite ao cliente efetivar, sozinho, todo o processo de compra. A implementação desta tecnologia contribui para o desempenho operacional das lojas, impulsionando as vendas, principalmente, em momentos de alto fluxo. Em pouco tempo de operação, o self-checkout obteve grande receptividade e representa uma parcela relevante das transações nas lojas”, afirma a Lojas Americanas.

No fim do mês passado, uma equipe do GLOBO testou um desses terminais, na loja do Shopping RioSul. As pessoas ainda olhavam para as máquinas meio descrentes, ressabiadas. Tinha fila para os caixas tradicionais, mas não havia ninguém no autoatendimento. Bastou o repórter começar a pagar suas compras para dois outros clientes notarem a novidade e se animarem a usá-la. Mesmo comércios menores estão se aventurando. E não é de hoje. Em Botafogo, faz ainda mais tempo, décadas, que um restaurante não tem alguém mediando os pagamentos feitos pelos clientes. O dono do estabelecimento prefere não divulgar o endereço, alegando que optou pelo método por ter uma clientela cativa. Admite, no entanto, temer que uma grande divulgação possa pôr em risco um modelo que, sem marketing, vem dando certo.

— O que fazemos vai contra a loucura que temos visto neste país — reconhece o empresário.

Perto dali, na Universidade Federal do Estado do Rio (UniRio), na Urca, os alunos experimentam uma iniciativa que ganhou o apelido de “murinho da honestidade”. Num jardim no Centro de Letras e Artes, estudantes deixam produtos à venda e vão para as aulas. A oferta vai de salgadinhos e bolos a doces e frutas. Mas ninguém fica vigiando o que acontece. Se alguém se interessa por comprar, escolhe o que quer e deixa o dinheiro. Há relatos de derrapadas, mas a maioria se comporta bem. Os casos fora da curva obrigaram o grupo a fazer adaptações, como criar cofres improvisados onde a clientela deposita notas e moedas para evitar eventuais furtos.

— Já vi gente botar papel no lugar de dinheiro. Mas é minoria. A maior parte é honesta — diz o estudante de Sistema de Informação Davi Coutinho.

Outro universitário, o estudante e ator César Júnior é um entusiasta da experiência:

— A função da universidade também é provocar essa reflexão e estimular a conscientização. Os produtos têm preços justos. E, por trás de cada um deles, há um trabalho. O murinho ajuda no sustento de muitos alunos, seja para bancar a passagem de ônibus até aqui ou os gastos nos cursos.

No Centro, é um negócio formal que resolveu mudar a relação com os fregueses. No Curto Café, no Menezes Cortes, os preços das mercadorias não são fixos, apenas sugeridos. E não há um caixa controlando quanto cada um paga. É o próprio cliente que faz o pagamento e recolhe seu troco num potinho, em cima de um balcão. Perguntados se o negócio dá certo, os empreendedores da casa lembram que o estabelecimento funciona assim há cinco anos, e que são servidos de 700 a 800 cafés por dia. Alguns pagam menos que os preços indicados, outros pagam mais. A média deixa o faturamento equilibrado.

— Estou surpresa com este lugar. Espero que esse conceito se espalhe — dizia a cliente Sueli Afonso.

03/12/2017 – O Globo
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